Acompanhe os momentos de tensão vividos pelo 9º BCC em maio de 1940, onde a tripulação de um tanque francês enfrenta o caos e a infantaria alemã nos campos de Béthune, revelando a crua realidade do combate blindado.
A guerra, em sua essência mais crua, não é feita de grandes movimentos estratégicos em mapas de estado-maior, mas de instantes de silêncio aterrorizante rompidos pela violência súbita. Em maio de 1940, durante o colapso da frente francesa, os homens do 9º Batalhão de Carros de Combate (BCC) viveram essa realidade não como uma estatística, mas como uma luta desesperada pela sobrevivência, metro a metro, parafuso por parafuso. O relato que emerge dos diários de guerra desta unidade, especificamente durante as operações próximas a Béthune, oferece um vislumbre visceral do caos que engoliu o exército francês.
O Silêncio Antes do Inferno
Houve uma breve calmaria. Aquele tipo de silêncio pesado e antinatural que frequentemente precede a tempestade no campo de batalha. O narrador, cuja identidade se funde à de tantos outros comandantes de blindados daquela campanha, aproveitou a pausa para uma tarefa simples, quase banal: uma inspeção do terreno. Ao descer para o fosso que margeava a posição, a guerra, com toda a sua aleatoriedade brutal, manifestou-se.
Ali, no buraco, ele se viu face a face com um soldado alemão. A surpresa foi mútua, paralisante por uma fração de segundo. Não houve tempo para ordens, protocolos ou hesitação. O instinto de sobrevivência prevaleceu sobre o treinamento formal. Antes que o inimigo pudesse erguer sua arma, o francês disparou. Uma única bala na cabeça encerrou o encontro tão abruptamente quanto havia começado. A morte, em 1940, chegava sem cerimônia, num encontro casual em uma vala lamacenta.
A Chegada de Pradeau
Foi nesse momento de tensão residual que o cenário mudou novamente. Do vilarejo próximo, surgiu uma visão surreal, típica da desorganização daquele maio fatídico. Um tanque francês, comandado pelo cabo-chefe Pradeau, da 3ª Companhia, avançava. Mas não vinha para o combate da maneira convencional; ele rebocava um carro de turismo. Dentro do veículo civil, vulneráveis e expostos como peixes num aquário, estavam os mecânicos da unidade: os cabos-chefes e cabos Couvreux, Auzenot e Jolly.

O comandante no fosso sinalizou freneticamente para que o blindado parasse. O perigo era iminente. Quase em resposta ao seu gesto, o inimigo oculto abriu fogo. As balas rasgaram o ar, buscando o alvo fácil do carro de passeio. Num milagre de agilidade e sorte, os mecânicos abandonaram o veículo sob o zunido dos projéteis, jogando-se ao solo, escapando ilesos da armadilha de metal e vidro.
Falhas Mecânicas e Improvisação
Dentro do blindado do narrador, a situação degradava-se rapidamente. Carbonnel, possivelmente o artilheiro ou motorista, lutava com a metralhadora Reibel de bordo. A arma, vital para a defesa aproximada, estava emperrada. O som metálico do mecanismo travado era o pior ruído que uma tripulação poderia ouvir naquele instante. O comandante, agora de volta ao seu posto, tentou alertar Pradeau sobre a posição exata do inimigo.
Pradeau, compreendendo a gravidade, girou sua torre e abriu fogo com sua própria metralhadora. O efeito foi imediato, embora difícil de quantificar. O inimigo, percebendo o reforço blindado, cessou o fogo momentaneamente, recuando para a segurança da invisibilidade.
No interior apertado do tanque, o narrador tentava desesperadamente consertar sua Reibel. Desmontou o mecanismo uma vez. Duas vezes. O diagnóstico foi desolador: falha na alimentação, provavelmente uma mola do bico quebrada. A tecnologia, na qual suas vidas dependiam, havia falhado. O tempo urgia. O inimigo não esperaria pelos reparos.
O Canhão de 37mm Responde
Sem a metralhadora, restava apenas uma opção. O velho canhão de 37 mm. Era uma arma de tiro tenso, destinada a alvos duros, mas agora teria que servir contra a infantaria. O comandante observou o campo através das fendas de visão. O inimigo era astuto, camuflado na erva alta. Mas o equipamento alemão os traiu. As caixas dos máscaras de gás, bojudas e distintas, desenhavam silhuetas denunciadoras no meio da vegetação.

Com a frieza que o combate exige, ele municiou o canhão. Apontou. Disparou.
Um, dois, três obuses. O som seco do 37 mm ecoou, pontuando a resposta francesa. Ao todo, seis ou sete disparos foram enviados contra as formas na relva. O resultado foi devastador. Onde antes havia a ameaça invisível de uma emboscada, agora jaziam cerca de uma dezena de corpos. Os sobreviventes, se é que restara algum, enterraram-se no solo, paralisados pelo medo e pelo poder de fogo repentino.
A Defesa do Parque
Enquanto a fumaça dos disparos se dissipava, a prioridade tornou-se a consolidação da defesa. O parque à direita parecia uma via de acesso perigosa, um ponto cego que o inimigo poderia explorar para um contra-ataque. O comandante não hesitou. Ordenou que três dos mecânicos — aqueles mesmos que minutos antes eram passageiros indefesos — assumissem posições defensivas naquele setor. Na guerra de 1940, todos eram infantes quando necessário.
O relato encerra-se não com uma vitória grandiosa, mas com a sobrevivência garantida pela violência rápida e pela adaptação. O 9º BCC, com seus tanques muitas vezes superados em doutrina, mas tripulados por homens de coragem inegável, havia mantido sua posição. Aquele pedaço de terra, marcado pelo sangue de um soldado alemão na vala e pelos corpos na relva alta, permanecia francês. Pelo menos por enquanto.
Este episódio, fragmento de um mosaico maior de desastres e heroísmos, ilustra a realidade do combatente. Longe dos generais e dos mapas, a guerra era um canhão de 37 mm, uma mola quebrada e a visão de uma caixa de máscara de gás na grama. Era a história de homens como Pradeau, Carbonnel e o narrador anônimo, que enfrentaram a tempestade de aço com o que tinham em mãos.
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Fontes:
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Histoire de Guerre, Blindés & Matériel, N° 75. Artigo: “Le 9e BCC (Terrains et opérations)”, baseado nos diários de marcha e operações do batalhão.
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