Acompanhe a dramática defesa do Forte Dologorodoc pelos soldados da Divisão Granatieri di Savoia. Isolados e sob bombardeio constante, eles protagonizaram um dos episódios mais intensos do conflito na África Oriental.
Imagine o som. Não um som qualquer. Mas um estrondo contínuo e ensurdecedor que faz a própria terra tremer sob seus pés. Estamos na África Oriental. O cenário é árido. As montanhas são íngremes e impiedosas. É aqui que encontramos um capítulo dramático da história militar. Um episódio que muitos historiadores viriam a chamar de “o Stalingrado da África“. No centro desse teatro de horrores está uma fortificação que se tornou símbolo de desespero e bravura: o Forte Dologorodoc.
Dentro daquelas paredes de pedra castigadas pelo tempo e pela pólvora estavam os homens da Divisão Granatieri di Savoia. Eram soldados de elite. Homens preparados para a guerra. Mas nada poderia tê-los preparado para o que vivenciaram naquelas semanas decisivas em Keren. O relato que chega até nós não é apenas sobre estratégia ou movimentação de tropas. É sobre o limite humano. É o diário não escrito de quem sabia que o fim estava próximo.
A situação no interior do forte desafiava a sanidade. O texto base que analisamos descreve um cenário onde o silêncio deixou de existir. A artilharia britânica não dava trégua. Eram vinte e quatro horas por dia de bombardeio. Dia e noite se fundiam em uma massa cinzenta de poeira e explosões. Para o granadeiro entrincheirado a noção de tempo se perdia. Havia apenas o intervalo entre um impacto e outro. O teto tremia. As paredes vibravam. O ar ficava pesado com o cheiro de cordite e o gosto metálico do medo.
Observem a posição desses homens. Eles estavam no alto. Mas estar no alto não significava estar seguro. Dologorodoc havia se tornado uma armadilha. Uma gaiola de pedra sob o céu aberto onde a morte caía em forma de obuses. O defensor italiano olhava para o horizonte e compreendia uma verdade amarga. Não haveria resgate. Não haveria reforços marchando ao longe para salvá-los. Eles estavam sozinhos.
Essa consciência da solidão absoluta muda a psique do combatente. Por que lutar quando a derrota é matemática? O que mantém um homem de pé quando a esperança de vitória desapareceu? Os relatos da Granatieri di Savoia sugerem que a luta deixou de ser por conquista territorial. Tornou-se uma luta pela sobrevivência imediata. Uma luta pela honra da unidade. Uma luta pelo homem que estava ao lado, no mesmo buraco, compartilhando a mesma pouca água e a mesma angústia.
Mas a artilharia era apenas uma parte do tormento. Quando os canhões silenciavam momentaneamente não era sinal de paz. Era o prelúdio de algo mais visceral. Era o momento em que as ondas de ataque começavam. O inimigo não era uma força abstrata. Eram os Gurkhas. Guerreiros nepaleses com uma reputação que atravessava fronteiras. Conhecidos por sua habilidade no combate corpo a corpo e pela coragem inabalável.
Imagine a tensão nos olhos dos defensores italianos ao verem aquelas silhuetas subindo as encostas íngremes de Keren. Eles vinham em ondas. Incansáveis. A defesa do forte exigia uma vigilância sobrenatural. O cansaço físico era extremo. O sono era impossível. Fechar os olhos podia significar a morte. Repelir cada ataque exigia o dispêndio das últimas reservas de energia de homens que já estavam no limite da exaustão.
O combate se tornava pessoal. Próximo. Brutal. Não havia espaço para hesitação. O relato nos transporta para dentro das ameias do forte onde o caos imperava. Gritos. Ordens confusas. O som seco dos disparos de fuzil. O choque do aço. E depois o recuo momentâneo do inimigo apenas para se reagrupar e voltar. Era um ciclo de violência que corroía a alma dos defensores.
Dologorodoc se transformou em um universo à parte. O mundo lá fora, com suas cidades, famílias e rotinas, parecia um sonho distante. A realidade era apenas a pedra, o calor e o inimigo. A designação “Stalingrado da África” não é um exagero retórico. Ela reflete a intensidade do cerco. Reflete a determinação feroz de ambos os lados. Reflete o custo humano exorbitante pago por cada metro de terreno mantido ou conquistado.
A perspectiva do defensor italiano é particularmente pungente. Ele não era um autômato. Era um ser humano confrontado com o inevitável. Saber que não há saída cria um tipo específico de bravura ou talvez de resignação. Eles lutavam porque era a única coisa que restava fazer. A rendição era uma possibilidade, mas a dinâmica do combate feroz muitas vezes adiava essa decisão até o último cartucho ou o último suspiro.
A estrutura do forte que deveria oferecer proteção muitas vezes parecia um túmulo antecipado. As explosões constantes do lado de fora faziam com que pedaços da própria fortificação se soltassem. A poeira cobria tudo. Rostos. Uniformes. Armas. Todos se tornavam figuras espectrais e cinzentas movendo-se na penumbra de um apocalipse particular.
É preciso olhar para a Batalha de Keren com a seriedade que ela exige. Não se trata de glorificar a guerra. Trata-se de entender o sofrimento humano em condições extremas. Os soldados da Granatieri di Savoia no Forte Dologorodoc viveram uma experiência que marca a fronteira da resistência física e psicológica.
O cerco se arrastava. Os suprimentos minguavam. A água era racionada. A munição precisava ser contada. Mas a artilharia britânica parecia ter recursos infinitos. Essa assimetria desgastava o moral. Como enfrentar uma força que nunca dorme e que possui poder de fogo superior? A resposta estava na disciplina e no instinto de autopreservação que mantinha aqueles homens em suas posições.
Cada ataque repelido dos Gurkhas era uma pequena vitória que apenas adiava o destino final. Não havia celebração. Havia apenas o alívio momentâneo de ainda estar vivo e a certeza de que eles voltariam. E eles voltavam. Subindo a montanha com tenacidade. Enfrentando o fogo defensivo. Buscando as brechas na muralha defensiva italiana.
A história de Dologorodoc é um testemunho da brutalidade do fronte na África Oriental. Muitas vezes esquecido em comparação com outros teatros de operações, este local viu atos de heroísmo e tragédia em igual medida. Para o soldado entrincheirado ali a guerra não era um mapa numa mesa de generais. A guerra era o metro quadrado de chão que ele ocupava. A guerra era a sede. A guerra era o medo de ser soterrado vivo pelos bombardeios incessantes.
Ao analisarmos os registros baseados nesses relatos percebemos a dimensão do sacrifício. Não eram apenas números em uma baixa militar. Eram vidas suspensas em um momento de violência perpétua. O “Stalingrado da África” cobrou seu preço. E quem esteve lá, dentro daquele forte, carregou consigo as marcas indeléveis daqueles dias e noites intermináveis.
O forte permanece na história como um monumento à resistência desesperada. Um ponto no mapa onde a lógica da guerra impôs seu roteiro mais cruel. Para os Granatieri di Savoia a defesa de Dologorodoc foi o ato final de uma tragédia anunciada. Uma batalha travada não pela vitória, mas pela dignidade de permanecer em pé enquanto fosse possível. E assim a história registra a passagem desses homens pelo inferno de pedra em Keren.
Fontes:
Le operazioni in Africa Orientale (giugno 1940 – novembre 1941) – Gen. Alberto Rovighi (Ufficio Storico dello Stato Maggiore dell’Esercito).
Eastern Epic: Vol I – Compton Mackenzie.
The Battle of Keren – Geoffrey Evans (History Today).
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